#61 Um cafezinho: tudo aquilo que não assistimos em 2023
Será que a gente realmente precisa ver tudo que está sendo lançado?
A Um cafezinho é a nova seção da Andanças! Imagine-a como uma pausa rápida no meio dos nossos passeios para tomar um cafezinho em algum lugar do caminho, onde a gente possa conversar também sobre uma variedade de tópicos andantes que vão além dos nossos passeios convencionais com os filmes - cinema como um todo, andanças pessoais, outros sentimentos, aleatoriedades e dicas.
Como essa é a nossa primeira edição de 2024, começamos com um cafezinho para aquecer e pegar o ritmo para as nossas novas andanças nesse ano. Na semana que vem, um novo filme andante :)
Final e começo do ano são tempos das listas de favoritos, das retrospectivas, das premiações grandes acontecendo ou prestes a acontecer. Nessa hora, reaparece tudo aquilo que assistimos ao longo do ano que passou - e também aquilo que não assistimos.
Vendo todas essas listas, a sensação é de que eu assisti menos coisas do que em outros anos. Mas é uma sensação que logo passa quando eu olho além da superfície e dos números. 2023 foi um ano em que eu revi muitas coisas (só para as edições da newsletter foram muitos filmes), assisti muitos filmes antigos e também vi muitas séries, que são algo mais difícil de contabilizar. Reparei então que a sensação inicial dizia menos sobre a quantidade e mais sobre quais filmes e séries eu assisti ou não.
Percebi que tiveram muitos filmes e algumas séries “marcantes” desse ano que eu não assisti ainda. Só para citar alguns dos que pipocaram no meu feed com as notícias da premiação estadunidense do Globo de Ouro no domingo, ainda não vi Oppenheimer, Assassinos da Lua das Flores, Anatomia de uma queda, Past Lives, Poor Things, May December, The Bear e Jury Duty. São todos filmes e séries que eu tenho certeza que são muito bons e que quero muito assistir, mas foi só algo que não aconteceu ainda. Seja porque eu quero ver alguns deles pela primeira vez no cinema (o caso de Past Lives), ou porque os meses em que alguns foram lançados foram muito agitados e não deu tempo (Oppenheimer e Assassinos da Lua das Flores), ou porque perdi as datas das exibições (Anatomia de uma queda no festival Varilux), ou porque outras séries foram passando na frente, ou porque eu precisava economizar naquele momento, ou ainda porque eu só estava cansada demais e queria ver algo com um tema tranquilo e de fácil acesso - de preferência em um streaming que eu já assino, pronto para dar play do conforto da minha cama. Ou seja, nenhum motivo pessoal ou extraordinário: só a vida acontecendo.
Tem uma parte minha que precisa aceitar que a gente só consegue fazer uma quantidade limitada de coisas no nosso tempo disponível, por mais flexível que ele seja. E mesmo entre o que é possível assistir, existe um processo de escolha: privilegiar uns obrigatoriamente vai deixar outros de lado.
Parece óbvio.
E é aí que entra uma outra reflexão que vem rondando a minha cabeça desde o ano passado: de onde é que vem essa sensação de que, se gostamos de cinema (e séries), a gente precisa estar por dentro de tudo de novo que está acontecendo?
Por que a gente não pode só ficar tranquila em… deixar para depois?
Será que a gente realmente precisa ver tudo que está sendo lançado?
Claro, algumas ressalvas precisam ser feitas. Eu sou uma ávida defensora do cinema (de rua e barato, principalmente) e acho que ele é algo que deveria ser acessível o suficiente para que a gente frequentasse quantas vezes quisesse. Em muitos casos, a experiência de assistir o filme no cinema faz toda diferença. Sei também que tem uma energia na estreia lotada que não acontece na terceira semana de exibição. Meu ponto aqui não é tanto sobre o ato de se envolver com todo o coração com os lançamentos do cinema ou das plataformas, mas de uma certa ansiedade que vem quando sentimos que temos que assisti-los. É o que faz com que talvez a gente seja levado a assistir muitos filmes que não são bem do nosso interesse, principalmente com a facilidade de um clique dos streamings. Ou que nos sintamos mal por ainda não ter conseguido assistir algo que queremos (e que vamos assistir um dia). E a gente sabe que com a vida normal acontecendo, é muito difícil estar a par de todo filme da lista de imperdíveis que parece sempre crescer mais do que a gente dá conta de acompanhar. É como se estivéssemos sempre para trás e sempre tendo que “estar em dia” com algo que, no fim das contas - com exceção de quem trabalha diretamente com isso -, fazemos porque gostamos.
Do lado de cá, tenho questionado de onde vem a urgência em assistir algumas coisas para mim. Sou eu mesmo ou é só uma vontade de estar a par do que todo mundo está assistindo? De entrar nas conversas? De não ficar com a sensação de que estou perdendo algo e me sentindo para trás?
Talvez a urgência aconteça também porque, depois que a poeira de um lançamento baixa, a sensação é de que ninguém mais fala sobre ele. Aquele filme ou aquela série que foi assunto por semanas de repente some até ressurgir meses depois em alguma premiação (alô The Last of Us e Succession).
Mas aí eu me pergunto: por que - e para que - a gente está assistindo coisas mesmo?
Ou ainda, distorcendo aquela velha provocação das redes sociais: a gente ainda viu algo se ninguém sabe que a gente viu (e comentou a respeito)?
Alguns dos melhores filmes que eu assisti em 2023 não são de 2023 nem de perto. E tem sido assim por vários anos. Meus quatro filmes favoritos hoje são de 2017, 2000, 1961 e 1945. Todos eles foram assistidos nos últimos anos. Para isso acontecer, uma parte do meu tempo precisou ir para os filmes dos anos anteriores que eu não conhecia e para os clássicos que nunca chegaram até mim antes. Se eu começar a tentar acompanhar somente o que surge de novo, não vai sobrar tempo para olhar para essa imensidão de possibilidades que estão aí por toda a história do cinema e da televisão no mundo.
Nosso tempo disponível é sempre escasso. Então, nesse ano (que já vem dando sinais de ser agitado), eu quero assistir o que realmente chama a minha atenção quando for possível e ficar tranquila de não entrar em várias conversas sobre outras tantas coisas que não são tanto do meu interesse. Quero privilegiar o que tem disponível para assistir nos espaços de exibição ao meu redor e me relacionar não só com os filmes, mas também com a cidade e as outras pessoas, cara a cara. Quero ver filmes novos que estou esperando muito sim, mas também mostras de clássicos que eu nunca ouvi falar. Quero abrir espaço para rever vários filmes e séries que eu gosto muito e ter outras perspectivas sobre os meus favoritos. Quero assistir aquela série de 2005 com 23 episódios em cada uma das 8 temporadas que por alguma razão eu não vi ainda.
Apesar de a gente andar aqui com vários filmes, essa é uma newsletter de andanças e não correrias. Nossas andanças foram feitas para serem saboreadas com calma: pense nela mais como um grande arquivo de filmes andantes para consultar sempre que tiver vontade do que um lembrete do que ainda não foi assistido.
Por aqui, nossos passos seguem lentos e o passeio é também para aproveitar a paisagem e a conversa. E se aparecer alguma coisa que tocar seu coração, é só guardar para algum momento possível - seja na sessão de pré-estreia do seu cinema local ou daqui a vários meses (ou anos, por que não?). Não precisamos ter pressa. O negócio é aproveitar e se divertir no caminho.
Até o próximo passeio :)
Algumas dicas antes de ir
- As imagens que ilustram essa edição são todas de filmes andantes em que as personagens param para ir ao cinema em algum momento (nos links em cada nome de filme você pode ver onde assisti-los). Ainda falaremos de todos eles aqui - um dia.
- Se você está em Curitiba, a Caixa Cultural está fazendo essa semana uma mostra chamada Mulheres no Cinema do Leste Europeu. São 3 a 4 sessões por dia e uma ótima oportunidade de assistir filmes muito bons que nem sempre são fáceis de achar por aí. Os ingressos custam 10 reais (inteira) e as mulheres pagam meia. De 9 a 14 de janeiro.
- Uma andança pela cidade em busca de sabedoria por 1 dólar (inglês).
- “Lembro-me de uma conversa que tive com a escritora Assionara Souza anos atrás. Ela me chamou a atenção para a experiência de sair de uma sala de cinema e cair direto na rua, como parece que você ainda estava dentro do filme, e os ruídos, as fragrâncias da cidade te inebriam e você vê tudo em câmera lenta, sem saber distinguir a realidade da ficção” - Trecho da entrevista com a Bárbara Tanaka, da Telaranha Edições, para o jornal Plural. A Bárbara e o seu sócio Guilherme vão abrir uma nova livraria de rua no Centro de Curitiba, a Telaranha Livraria & Café. Nesse trecho ela responde de que forma a livraria será diferente de uma livraria de shopping e compara a sensação com a de um cinema de rua. Ansiosa por esse novo cantinho na cidade! <3
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adorei o que vc falou sobre saborear... por mais andanças e experiências nas quais a gente se permita saborear o que tá rolando, sem pressa e sem medo de estar perdendo algo mais. menos FOMO e mais prazer :)
Que delícia de leitura e ainda saber que é da cidade onde mais hábito. Sobre a obrigação de assistir algo, nem tinha notado o quanto eu estava inebriada nas indicações. Meodeos! Parece que acordei! Me lembrei uma vez de um comentário nórdico, onde as pessoas sentem a pressão na obrigação de sairem quando faz sol. Hoje sua newsletter vai me fazer "viajar" ao cinema. Parabéns pela envolvente escrita!