#69 Um cafezinho: tem coisa melhor do que ouvir música por aí?
4 filmes andantes cheios de música para aquecer o coração
“É o que eu amo na música. Uma cena tão banal de repente ganha tanto significado, sabe? Todas as banalidades de repente se transformam nessas lindas, efervescentes pérolas.”
- Trecho de Mesmo se nada der certo
Adolescente, banco de trás do carro dos pais, os fones de ouvido do discman no máximo ouvindo mais uma vez algum daqueles 3 CDs que você não consegue parar de escutar. Depois o discman deu lugar ao mp3, pequeninho, e um universo muito maior de todas as músicas que você mais gostava de ouvir em um só lugar. Um ganho, mas também algumas perdas: eu tenho certeza que você tratava os encartes do CD com todo o cuidado do mundo e que aprendeu a cantar as músicas com as letras escritas ali. Pela janela, você vê a cidade ou a estrada passando velozes e talvez esse seja um lugar que você não sabe bem se gosta, não sabe bem se quer. Enquanto você ainda não pode fazer muito com relação a isso, a música toca. De novo e de novo. E na cabeça você imagina que está ali dentro, que aqueles sentimentos - que ainda estão meio longe do que você conhece - sãos seus. Você ainda não sabe direito o que é o amor, o que é o coração partido, a decepção. Talvez nem saiba ainda o que é a solidão, o medo, o estar perdido. Mas, completamente investido naquelas palavras, imagina que vive outras vidas em outros lugares. Sente profundamente tudo que aqueles poucos minutos proporcionam.
Eu sou uma criança dos anos 90, então falo de discmans e mp3s e um tiquinho de fita cassete que talvez nem conte. Mas talvez para você elas foram mais presentes. Ou ainda tudo isso tinha que acontecer dentro do quarto com os seus discos de vinil favoritos. Talvez você já tenha crescido com o Spotify e o Youtube e não precisou passar horas no Limewire procurando por músicas pouco conhecidas. Ou talvez você tenha sido aquela pessoa que ligava para o rádio para pedir uma música que queria muito ouvir, ou que ficava colado na MTV para ver mais uma vez aquele videoclipe que você perdeu as contas de quantas vezes já viu. São formas diferentes de fazer a mesma coisa, de buscar a mesma conexão, a mesma compreensão em algumas poucas palavras cantadas que tem um poder tão forte de falar com a gente.
Se você foi essa criança e adolescente, talvez continue a pessoa com os fones de ouvido que senta no ônibus e olha pela janela com melancolia sem nem saber direito porquê. Que coloca pra tocar no carro uma música animada que gosta muito depois de um dia estressante de trabalho, pra te fazer se sentir no lugar de novo. Talvez você coloque aquela música favorita no máximo para correr o mais rápido que consegue na esteira da academia, antes de partir para mais um compromisso do dia dessa vida adulta muito louca que temos em 2024.
Ou talvez você só esteja andando, para onde quer que seja, no embalo de alguma música querida, sentindo o mundo ao seu redor, se imaginando dentro de um filme. Na história em que você é protagonista, essa é a sua cidade e aquela é a sua trilha sonora. Ou pelo menos na sua vida nesse momento, nesse capítulo.
Nesse final de semana fui assistir a um festival que juntou em um mesmo dia várias bandas que fizeram a trilha sonora da minha adolescência e também do começo da minha vida adulta. Da época dos discmans até as listas do Spotify, do momento de assistir Malhação depois de voltar da aula do ensino fundamental até a primeira vez que sai para morar sozinha bem longe de casa. Ouvi muito dessas músicas andando por aí, no vai e vem da vida cotidiana e nas situações mais excepcionais da minha vida até agora. Jamais imaginava que ia vê-las assim, todas juntas e tão perto de casa. Muitas outras bandas e artistas e músicas vieram depois disso e esse conjunto de amores musicais é o que embala a gente nos caminhos dessa vida. Shows são incríveis, ouvir música ao vivo, na rua, no meio de um monte de gente pulando e gritando e chorando e cantando a plenos pulmões tudo aquilo que amam… é uma coisa sem palavras. E é emocionante perceber o quanto tudo isso faz parte de quem somos e está profundamente conectado com tudo que aconteceu, com todas as andanças feitas nesses anos todos.
E no embalo dessa energia e dessas nostalgias todas, não tem nada melhor do que um bom filme andante cheio de música para relembrar de onde viemos, de todas as andanças que já fizemos por aí para ouvir aquelas canções que mais gostamos. No cafezinho de hoje, deixo uma pequena seleção de filmes andantes em que a música é, de alguma forma, um dos elementos principais da história. Não se tratam de musicais tradicionais como Amor, sublime amor - esse estaria em uma outra lista de filmes andantes! -, mas filmes em que a música se faz completamente presente em idades e épocas diferentes, da adolescência nos anos 70 ou 80, até a maturidade no momento presente. Espero que gostem <3
1. Quase famosos (Almost famous, 2000, dirigido por Cameron Crowe)
“- Então, Russel, o que você ama sobre música?
- Para começar… tudo.”
William (Patrick Fugit) é um adolescente no subúrbio dos Estados Unidos nos anos 70 que, depois de escrever alguns textos sobre bandas de rock para jornais locais, é contratado por telefone pela Rolling Stone (que não sabe que ele tem 15 anos) para acompanhar a banda Stillwater durante sua turnê e escrever uma matéria sobre eles. Para o pânico de sua mãe Elaine, interpretada pela maravilhosa Frances McDormand, William segue nessa grande andança, em uma época em que as turnês eram feitas de ônibus de uma cidade a outra. Ele acompanha todos os altos e baixos dessa vida, se maravilha e se decepciona, enquanto tenta não se envolver demais para poder escrever sua matéria. Mas como fazer isso quando se está vivendo o auge do sonho adolescente? Daqueles clássicos que a sempre volta para assistir de novo. (Ah! E o filme é semi-autobiográfico: o diretor Cameron Crowe também escreveu para a revista Rolling Stone quando era adolescente, acompanhando a turnê da banda Led Zeppelin).
Disponível para alugar no Prime Video.
Menção honrosa: A música Tiny Dancer, de Elton John, faz parte de uma cena maravilhosa do filme e o videoclipe recente dela é uma coisa incrível. Condensa em poucos minutos a nossa relação com a música no meio dos trajetos de nossas vidas - aqui principalmente nos carros - em diferentes idades, situações e toda a enxurrada de emoções envolvidas nisso tudo. Se isso já não bastasse, é uma carta de amor belíssima a toda a estranheza e beleza da vida em Los Angeles. A música faz 53 anos nesse ano e na seção de comentários do Youtube tem muita gente falando das várias histórias que tem com a música. É lindo demais. Esse videoclipe ainda vai aparecer um dia aqui nas nossas Andanças.
2. Mesmo se nada der certo (Begin again, 2013, dirigido por John Carney)
“Cada música em um local diferente. Certo? Em toda a cidade de Nova York. E faremos durante o verão. E se tornará um tributo a esta cidade linda, louca e bagunçada.”
Dan (Mark Ruffalo) é um executivo de uma gravadora em Nova York que está vendo a sua carreira e a sua vida pessoal irem por água abaixo. Gretta (Keira Knightley) é uma artista cujo namorado Dave (Adam Levine), também artista, fica muito famoso e eles saem da Inglaterra para uma temporada em Nova York - e em pouco tempo as coisas mudam e o casal se separa. De repente, ela se vê sozinha em uma cidade imensa que não conhece, morando no sofá de um amigo artista de rua. Dan e Gretta se encontram por acaso em um bar e ele se oferece para gravar as músicas dela. Mas ele já não tem mais o emprego que tinha, então as coisas precisam ser feitas de forma mais artesanal: juntam alguns músicos e alguns equipamentos, e decidem gravar as músicas em vários lugares da cidade, sempre na rua e pegando o que quer que aconteça durante as gravações. Eles andam por todos os cantos ouvindo músicas e gravando o álbum e é uma delícia de ver.
John Carney é um diretor de filmes mais independentes, e parece que a experiência em Hollywood não foi tão agradável para ele. Também tem muita gente que acha esse filme ruim comparado aos outros do diretor. Assistindo de novo essa semana, o filme realmente tem umas estranhezas aqui e ali, mas eu acho esse o confort movie perfeito pra quando a gente só quer uma história gostosa e divertida para se animar de novo. Já devo ter assistido umas 5 vezes e nunca cansa <3
Disponível para assistir na MGM, dentro da Amazon Prime.
Menção honrosa: Antes de dirigir esse filme, John Carney fez Once (2007), filme que conta a história de dois músicos em Dublin que se conhecem na rua enquanto ele se apresenta para ganhar dinheiro e ela vende flores. Os dois começam a trabalhar juntos enquanto tentam lidar com todas as dificuldades da vida adulta, se envolvendo e descobrindo o que podem fazer. O filme é lindíssimo, as músicas também, e ele foi super elogiado nos festivais e premiações. Ele só não está junto nessa lista porque, de todos, é o filme que faz mais tempo que eu assisti e do qual eu me lembro menos, eu precisaria ver de novo para escrever melhor sobre ele. Mas ele ainda vai voltar aqui com toda certeza. Once está disponível para alugar na Apple TV+.
3. Sing Street (2016, dirigido por John Carney)
Rollin, this is your life, you can be anything
You gotta learn to rock and roll it, you gotta put the pedal down
E depois de Begin again, John Carney volta para a Irlanda em uma história de formação. Conor (Ferdia Walsh-Peelo) é um adolescente vivendo em Dublin nos anos 80, em período em que as coisas andavam difíceis economicamente e as perspectivas de futuro não eram muitas. Para economizar, seu pais decidem o mandar para um colégio conservador para meninos, onde ele passa alguns maus bocados. Para impressionar uma garota que conhece na saída da escola, a modelo Raphina (Lucy Boyton), Conor decide juntar alguns dos poucos amigos que fez e formar uma banda, guiado e instruído por seu irmão mais velho Brendan (Jack Reynor), um jovem de 20 e poucos anos que se tornou adulto nesses tempos estranhos e que anda meio perdido na vida. Eles estão seguem nessa andança entre as casas um do outro, gravam videoclipes caseiros na rua e se jogam nos figurinhos glam rock das bandas daquela época. A história se mistura com as dificuldades desses adolescentes ousando em um ambiente conservador, a falta de perspectivas daquele momento e todos os problemas que enfrentam com suas famílias. Mais um filme lindo para a lista <3
Disponível para alugar na Amazon Prime.
Extra: O filme retrata um momento em que a economia irlandesa estava em baixa e havia uma emigração em massa do país. Em 2008 uma nova recessão aconteceria na Irlanda também com essas características e é nesse contexto que se dá a história de Pessoas normais, que talvez você conheça bem. O livro de Sally Rooney foi adaptado para a televisão em uma série linda estrelando Paul Mescal e Daisy Edgar-Jones, e que ainda vai aparecer por aqui também. A
estuda no mestrado esse contexto irlandês em conjunto com a história e volta e meia fala um pouco disso na .4. Dias perfeitos (Perfect Days, 2023, dirigido por Wim Wenders)
“A próxima vez é a próxima vez. Agora é agora.”
O vai e vem do trabalho, todos os dias, com as suas músicas preferidas e antigas tocando no carro. Esse é um filme que estreou nos cinemas oficialmente na semana passada e mostra a rotina de Hirayama (Koji Yakusho), um homem na faixa dos 60 anos que trabalha na limpeza dos banheiros públicos de Tóquio com todo cuidado e dedicação. As suas fitas cassete são uma parte importante da sua rotina e o filme tem uma trilha sonora maravilhosa com vários clássicos, principalmente dos anos 70. Tem Lou Reed, Patty Smith e uma cena belíssima com Feeling Good de Nina Simone. Mas não vou me prolongar nesse, porque logo logo teremos uma edição completa com ele por aqui.
O filme está em exibição nos cinemas brasileiros e logo deve entrar no catálogo da Mubi.
Alguns links antes de ir
sobre ser fã de Fresno, da nossa relação com as bandas que gostamos e uma volta a um passado não tão distante em que as coisas eram diferentes. Me identifiquei completamente.- Um show da Pitty, nessa edição linda da minha xará
.- Essa resenha maravilhosa de Sing Street feita pela Isabela Boscov, em que ela também conecta um pouco o filme com os outros dois anteriores do diretor, Once e Mesmo se nada der certo.
- Para quem adora ler sobre música, a newsletter da
: é excelente!- Outras duas newsletters que não são exclusivamente sobre música, mas que falam bastante sobre esse assunto e são ótimas:
da e da .- Para os que também são saudosos dos tempos da MTV Brasil, o canal Fala VJ traz entrevistas muito boas com os antigos VJs da emissora <3
Eu me empolguei e essa edição ficou IMENSA, praticamente um café colonial. Obrigada a você que leu até aqui e me conta nos comentários o que achou, quais são as suas andanças musicais favoritas de fazer e outros filmes andantes cheios de música que você conhece. Ah, e se você também foi no I wanna be tour, me conta como foi <3
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caramba, quero ver esse filme sobre a Irlanda AGORA!! obrigada pela dica <3
Aaah que linda! Eu amei demais essa edição!
Almost Famous é um dos meus filmes FAVORITOS DA VIDA! Simplesmente queria ser eu a viajar com bandas fazendo matérias para a Rolling Stones hahaha
E muitíssimo obrigada pela menção, uma honra aparecer aqui!