Crítica #3: A Viúva Clicquot
Vinhedos, experimentos e a história da mulher que mudou a produção do champagne
Eu sempre tive uma imensa queda por filmes de época que são centrados em personagens femininas interessantes e que tem aquele elenco que combina tão bem com as histórias do passado. Se for uma biografia então, melhor ainda. Por isso, quando A Viúva Clicquot (Widow Clicquot, 2023, dirigido por Thomas Napper) apareceu prometendo tudo isso, eu imediatamente disse sim.
O filme é inspirado na história real de Barbe-Nicole Ponsardin Clicquot (Haley Bennett), uma jovem de 26 anos que vivia na região de Champagne, na França, no início dos anos 1800. O filme é baseado na biografia A viúva Clicquot: A história de um império do champanhe e da mulher que o construiu, escrita por Tilar J. Mazzeo e traduzida para o português por Angela Lobo de Andrade.
Barbe se vê viúva de repente com a morte prematura do seu também jovem marido François Clicquot (Tom Sturridge), que administrava uma vinícola na propriedade do pai Phillipe (Ben Miles), onde o jovem casal morava. Os dois tinham uma relação muito amorosa e era desejo de François (e também dela) que Barbe tocasse o negócio da família. Mas nossa protagonista vai perceber que esse caminho não será nada simples e fácil: ela vai esbarrar nas diversas dificuldades do momento histórico, com as guerras napoleônicas, e também, principalmente, nos diversos obstáculos de ser uma mulher administrando um negócio e uma propriedade que vários outros homens gostariam de ter para si.
Acompanhamos aqui os primeiros anos de Barbe cuidando da vinícola e os altos e baixos desse período. Mas o resultado disso a gente já sabe, o que elimina um pouco daquela tensão de não saber se as coisas realmente vão dar certo no final. A jovem Barbe-Nicole que vemos nessa 1h30 de filme se tornaria mais tarde a Madame Clicquot e a empresa herdada por ela teria o seu nome, Veuve Clicquot (que, em tradução literal do francês é Viúva Clicquot), e se especializaria na bebida que ela estuda com todo afinco nesses primeiros anos: o vinho espumante champagne. A empresa segue aí até hoje, mais de 200 anos depois, sendo uma das marcas da bebida mais renomadas, tradicionais e sinônimo de qualidade e luxo.
O diretor Thomas Napper trabalhou como diretor adicional nos filmes Orgulho e preconceito (2005) e Desejo e reparação (2007), ambos dirigidos por Joe Wright, que também é produtor de A Viúva Clicquot. Há uma energia em comum entre esses filmes, principalmente com Orgulho e preconceito, com as paisagens dos campos e nossa protagonista andando constantemente por eles para cuidar de seus vinhedos. François tinha um estilo pouco comum de administração com a vinícola, o que envolvia muita experimentação e um cuidado próximo e amoroso com as uvas. Barbe segue a mesma linha de raciocínio e a vemos sempre com os vestido manchados de lama e avançando noite adentro em sua mesa cheia de vidros de ensaio e experimentos com a bebida.
O filme não segue uma linha do tempo linear. Começamos a acompanhar o que acontece imediatamente após a morte de François, mas as lembranças de Barbe nos levam com frequência para o passado, nos mostrando como era a relação dela com o marido e todo o caminho cheio de complexidades que foi trilhado por eles até aquele momento. Em uma entrevista, a atriz Haley Bennett (que também é uma das produtoras do filme) conta que a intenção era construir uma história muito tátil, em que acompanhamos a mente de nossa protagonista conforme ela adentra espaços e toca objetos que evocam momentos do passado vividos junto com François e que a relembram de como ela chegou até ali. São memórias que nos mostram o que aconteceu, mas que também ajudam a compreender de onde vem as suas decisões e a sua relação afetiva com a propriedade.
O trabalho de Haley Bennett, inclusive, é incrível nesses flashbacks. Há diversos saltos no tempo nesses 6 anos em que estiveram casados, e vemos Barbe-Nicole em diferentes momentos e idades. Só que um filme é inteiro filmado em poucos meses, então existe todo um trabalho para que essa transição seja crível - que a gente acredite que aquela personagem realmente envelheceu naqueles poucos minutos. Todo o trabalho da equipe e de Haley é excelente nesse sentido: a vemos jovem e tímida na incerteza do casamento, os anos de lua de mel cheios de paixão e leveza, as dificuldades e a tristeza do momento atual, em que as roupas brancas e soltas dão lugar aos trajes pesados e pretos de luto, com um semblante mais carregado e experiente. Isso muda também conforme ela vai ganhando mais confiança e ousadia em seus experimentos, deixando a influência do marido para trás e trilhando um caminho próprio com as novas parcerias que estabelece, principalmente com o comerciante de vinhos Louis Bohne (Sam Riley), com que se relaciona também romanticamente.
Eu gosto muito quando um filme que envolve algum processo criativo me faz sair da sala de cinema com vontade de criar mais, me jogar no trabalho e experimentar novas possibilidades. E é isso que A Viúva Clicquot me trouxe. As tentativas de Barbe são muito interessantes de acompanhar, bem como os desvios que ela decide tomar com os obstáculos que lhe aparecem, tomando decisões pouco populares e batendo de frente com o modo masculino de fazer as coisas naquela região. Ela é responsável por criar um novo método que permitia que as garrafas de champagne fossem transportadas para distâncias maiores, o que revolucionou o comércio da bebida dali em diante.
Esse é um filme simples, sem grandes pretensões, mas que cumpre muito bem o seu papel de nos transportar para outra época e apresentar a história dessa mulher sobre quem eu, particularmente, nunca havia ouvido falar. Há alguns clichês aqui e várias coisas que a gente já espera de um filme desse tipo, mas não acho que isso atrapalhe a experiência. Também não acho que o filme foque excessivamente no romance: a história de Barbe como uma mulher que toma as rédeas da própria vida é o centro de tudo e entender como era o casamento é fundamental para entender quem ela é no momento em que a conhecemos e o relacionamento com Louis mostra que ela também tem os seus desejos e vai atrás de atendê-los, preservando sempre seus próprios interesses.
É com certeza um daqueles filmes que a gente vai sem esperar nada e sai do cinema com uma sensação boa (e doida para experimentar os champagnes de Madame Clicquot, claro). Quem sabe um dia!
A Viúva Clicquot estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, dia 22 de agosto. Veja o trailer aqui.
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