Crítica #6: Gladiador II
A continuação - e a permanência - da mesma trajetória do herói
Em Gladiador (Gladiator, 2000, dirigido por Ridley Scott), acompanhamos a história de Maximus (Russel Crowe), um general do Império Romano acostumado às batalhas. Ele é escolhido pelo imperador Marcus Aurelius (Richard Harris) para ser seu sucessor e considerado um traidor poucas horas depois, quando o imperador morre e seu filho Commodus (Joaquin Phoenix) toma o poder para si. Maximus perde a família, a propriedade, seu posto e acaba sendo capturado e vendido como um escravo destinado às lutas de arena. Começa assim sua saga de herói que o leva como gladiador até o grande Coliseu, onde o novo imperador retoma a violência das lutas para seu próprio deleite e inferniza a vida de sua irmã Lucilla (Connie Nielsen), que tem um passado com Maximus. Lucilla tem um filho de 12 anos, Lucius (Spencer Treat Clark), e todos os seus passos são calculados pensando no menino, que admira imensamente Maximus.
Gladiador II (Gladiator II, 2024, também dirigido por Ridley Scott) retoma essa história 16 anos depois do desfecho do primeiro filme, com uma Roma comandada por dois jovens e imprudentes irmãos gêmeos, muito distante do sonho de uma cidade para todos do imperador Marcus Aurelius. Aqui acompanhamos um homem chamado Hanno (Paul Mescal), que é casado e mora em uma pequena cidade africana que está sob ataque do exército romano. Com sua casa destruída, Hanno também segue o caminho de ser vendido e levado como gladiador até o Coliseu. Não é nenhum mistério que Hanno é na verdade Lucius, o príncipe de Roma crescido, e é em seu retorno à cidade que ele vai encontrar suas raízes, buscar vingança e um acerto de contas com o passado.
Quando Gladiador estreou nos cinemas, eu tinha apenas 7 anos e esse certamente não era o tipo de filme que eu andava assistindo. Por isso, não tenho com ele aquele apego nostálgico de quem se impactou ao vê-lo pela primeira vez na época, com toda a sua grandiosidade e inovações cinematográficas. Assisti pedaços dele em momentos diferentes e, vendo ele pela primeira vez inteiro nesta semana… não gostei. Entendo a importância dele, o tamanho gigantesco de tudo e a dificuldade de fazer um filme desse tipo, mas ele simplesmente não é para mim.
Além de ter achado o ritmo arrastado e o filme como um todo sem graça, o Gladiador original é também um tipo de filme que traz alguns elementos que eu particularmente desgosto. Um deles é a construção de uma história épica centrada em homens demais, com demonstrações estereotipadas de uma masculinidade grosseira e exagerada. Outro dos principais aspectos que me incomodam é a jornada do herói que tem como principal gatilho de motivação a vingança pelo abuso sexual e morte violenta de uma esposa/namorada indefesa e do assassinato sem misericórdia de seus filhos logo no início do filme. Além da esposa, normalmente há um outro interesse amoroso envolvido, alguém deslumbrante que se torna a única mulher do filme, que serve somente para o pretexto do romance do protagonista e é normalmente interpretada por uma ótima atriz altamente mal aproveitada. Me parece que muitos filmes de ação, épicos ou não, desse início dos anos 2000 tem esse mesmo tom ou algo muito parecido.
Falo de Gladiador porque, como o filme de hoje é uma continuação direta que se pauta consideravelmente no material original, não há como não fazer comparações, o que é algo bom e ruim para Gladiador II. Entre as duas histórias, há aspectos iguais, semelhanças com outras roupagens e algumas diferenças - e é nas diferenças que Gladiador II se torna, pra mim, um filme mais interessante que o seu original.
Gladiador II parte exatamente da mesma trajetória do herói que é capturado como escravo, comprado por um negociante de gladiadores, se destaca por suas habilidades físicas, ganha notoriedade até chegar no Coliseu e, eventualmente, revela sua identidade. Ainda é um filme cheio de homens, embora Lucilla (novamente interpretada por Connie Nielsen) ganhe um pouco mais de tridimensionalidade aqui do que no seu papel de interesse amoroso nos anos 2000 - mas não vai além disso. A motivação inicial de Lucius/Hanno também é o mesmo tipo de vingança, porém atualizado para os padrões atuais: sua esposa agora é uma guerreira morta em batalha.
No entanto, Gladiador II aposta em alguns elementos que trazem uma dinamicidade que o seu anterior não tinha. Há uma ousadia diferente em jogo aqui, que demonstra com muito mais clareza uma Roma cheia de contradições e problemas. O filme deixa bem explícito a situação de extremos em que vivem a população e seus governantes, algo que será crucial para o desenrolar da história e para as motivações de Lucius de devolver a cidade ao seu povo. A pobreza é mais explicitamente mostrada, assim como os caprichos materiais da dupla de imperadores e também de seus senadores. Há mais exagero em tudo. É como se, nesses 16 anos que se passaram na cronologia do filme, tudo tivesse sido levado a tensões maiores e mais drásticas, o que se manifesta também nos tipos de desafios que são apresentados na arena.
Outro ponto que eu achei interessante em Gladiador II foi apostar em um elenco de atores versáteis, que são bons de ação, mas que também sabem entregar outras nuances aos seus personagens (especialmente Denzel Washington), quebrando um pouco aquela estrutura da masculinidade estereotipada que Russel Crowe incorporava. Lucius é o herói que tem ódio dentro de si, mas que cresceu dentro da nobreza e não se importa com as regras e nem com a conduta militar romana. Acacius (Pedro Pascal) é o general cheio de contradições que vive a angústia de suas ações. Macrinus (Denzel) é um negociante de gladiadores muito mais misterioso e ardiloso do que Proximo (Oliver Reed) no primeiro filme. Geta (Joseph Quinn) e mesmo Caracalla (Fred Hechinger), seu irmão gêmeo, não tem a mesma presença do vilão de Joaquin Phoenix, mas também sabem trazer os extremos desses imperadores sedentos por poder com um ar de loucura e conflito interno que lembra um pouco Game of Thrones. São camadas que quebram um pouco a previsibilidade daquele bem contra o mal tão bem marcado no filme original.
Por outro lado, isso também tem seus vários poréns. Paul Mescal está bem aqui, mas não sei se a ação é o seu forte, Pedro Pascal acabou apagado sem a possibilidade de entregar mais e Connie Nielsen continua tendo que ser passiva, sem que a personagem mude em nada sua postura com tudo que lhe aconteceu. Gladiador II acaba apostando demais na ação mais chocante e na popularidade de seus protagonistas e deixa alguns aspectos importantíssimos de roteiro de lado. Algumas transições acontecem rápido demais e as conexões deste filme com o anterior, para além do menino que cresceu, são fracas. Muitas coisas não são bem explicadas e o filme ganharia muito se elas fossem: ele aposta em algumas soluções fáceis e preguiçosas para mostrar como as coisas chegaram onde estão.
Não é um filme grandioso e não vai causar um impacto como o original. Porém, não sei se épicos como aquele ainda são filmes que cabem nos nossos tempos. Há muitas outras histórias a serem contadas - e formas muito mais interessantes de fazê-lo. Gladiador II traz vários novos elementos, mas o seu apego ao sucesso original (e a permanência da mesma forma de pensar) não deixa que surja um novo filme que caminhe por si mesmo. Ele parece pegar o que deu certo e adaptar ao gosto do público atual, sem construir para si uma personalidade que realmente agrade e nos envolva. Ele nunca será o original, até porque os tempos também são outros, e talvez o seu maior erro tenha sido tentar demais se manter dentro dessa mesma - literalmente -trajetória de herói.
Apesar disso, achei ele um filme melhor do que eu esperava, com um ritmo bom, que serve um entretenimento e uma boa ida ao cinema, desde que não existam grandes expectativas e pretensões. É um filme divertido, com várias cenas de lutas eletrizantes. A cena de abertura, com o flashback do filme original com um efeito de pintura é linda. Não é um filme que vai ficar comigo, mas um bom filme para se divertir, no fim das contas.
Gladiador II estreia nos cinemas do Brasil nesta quinta, dia 14 de novembro. Veja o trailer aqui.
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