#127 Um cafezinho: 4 filmes andantes de Agnès Varda
os caminhos da diretora, para assistir no 14º Olhar de Cinema!
Chegamos no meio de maio (sim, uma loucura) e isso quer dizer que por aqui já começaram os preparativos para o Olhar de Cinema. O Olhar é o Festival Internacional de Cinema de Curitiba, que neste ano está na sua 14ª edição e acontece entre 11 e 19 de junho. Nos últimos dois anos eu fiz a cobertura do festival como imprensa aqui com a newsletter, fazendo edições em que eu contava um pouco do que eu assisti e de como estava sendo a correria diária entre um cinema e outro. No ano passado eu também compartilhei antes do festival alguns filmes que eu pré-selecionei para assistir, contando um pouquinho dos motivos pelos quais eles me chamaram a atenção e fazendo, de certa forma, uma lista de sugestões. Neste ano, eu recebi pedidos para fazer essas edições com mais antecedência, para dar tempo de fazer uma boa seleção e já ter pelo menos alguns filmes em vista para quando as vendas de ingressos abrirem, já que alguns filmes acabam sendo bastante requisitados.
E neste ano temos uma mostra que promete ser concorridíssima: a Olhar Retrospectivo, que retoma e reflete sobre a carreira de um grande nome do cinema mundial. Neste ano, a mostra se volta para a cineasta Agnès Varda, com o título “Derivas por Varda”, propondo um “percurso pela filmografia da cineasta, compondo uma trajetória em deriva como fazem muitas de suas personagens”. Veja todos os filmes aqui.
Desde o mês o passado, tenho feito nos cafezinhos edições em que retomo alguns filmes de quem eu tenho chamado de diretores andantes. São cineastas cujos trabalhos possuem o tema da andança como uma constante. Não se trata de um filme ou outro de sua cinematografia, mas de toda uma proposta de uma vida inteira que passa por histórias que circulam pela cidade. Nossa primeira edição desse tipo foi com Wim Wenders e a próxima que eu tinha em vista era justamente Varda. A coincidência com a mostra foi mais que bem-vinda e esta edição de hoje mistura essa andança junto com os passos da diretora - e também é uma lista de indicações para quem for comprar ingressos para o festival, já que as vendas iniciam nesta sexta-feira! Por esse motivo, nosso cafezinho de hoje é uma edição aberta, mas textos como esse são sempre enviados quinzenalmente para os assinantes pagos, intercalados com as edições convencionais. Se você também quiser recebê-los, é só alterar o tipo de inscrição na newsletter:
Um adendo importante: assim como acontece com vários outros filmes, o trabalho de Varda volta e meia está disponível bem fácil em vários streamings e depois… some. Nesse momento, alguns poucos filmes estão disponíveis no Telecine (Cléo das 5 às 7, As praias de Agnès e La Pointe Courte), mas a maioria não está disponível fácil. Essa conversa é papo para outro dia, mas reforça também a importância que possuem os cinemas que fazem mostras específicas e os festivais, por apresentar a nós trabalhos que não chegam nessas grandes empresas e, muitas vezes, nem na distribuição convencional, além de retomar aqueles que acabam se perdendo com muita facilidade nos acessos pagos da internet. De qualquer forma, para quem não estará em Curitiba, ficam aqui as indicações para quando você encontrar com eles por aí.

Fico tentando pensar em algum diretor ou diretora mais andante que Agnès Varda e não chego a nenhuma resposta. Mesmo os seus companheiros da nouvelle vague do cinema francês, todos também super andantes, jamais chegaram ao mesmo patamar de energia que ela. Daria para dizer que quase todos os filmes de Varda são andantes de alguma forma: histórias de personagens que andam pelas ruas agitadas parisienses, que caminham tranquilos pelas cidades pequenas europeias, que pegam a estrada entre um lugar e outro. Mas Varda vai muito além: ela não se limita a andar junto com seus personagens fictícios apenas durante a filmagem de seus filmes. Ela mesma anda por aí e, com a câmera que tiver a sua disposição, e filma aquilo que vê no mundo. E Varda tem um olhar todo seu para o mundo ao redor.
Eu acho que Varda não é daquelas diretoras que cria um mundo bonito onde gostaríamos de viver. Como se a gente pudesse, por um momento, abandonar a nossa realidade e viver dentro da construção estética de outra pessoa. Não. Agnès é aquela pessoa que olha de um jeito muito único para o que existe ao seu redor e nos incita a fazer o mesmo com a nossa própria realidade. Ela não cria na gente o desejo de viver em outro lugar, mas sim nos provoca a olhar de outra forma para as nossas próprias ruas. Ela é a diretora que vai filmar os seus vizinhos da rua Daguerre. Que vai criar documentários excelentes durante viagens. Ela é a pessoa que vai pegar um carro e relembrar a própria história, que vai colocar espelhos na praia e areia no asfalto. Que vai ser a senhorinha feminista com uma placa no meio de uma manifestação. Caso você já tenha visto algum de seus filmes, vai me dizer que você não sorri quando encontra uma batata em forma de coração por aí?
Varda criou algo absolutamente incrível ao longo da sua vida e continuou andando e fazendo filmes até o fim dela, em 2019, quando já tinha 90 anos. Acho que não tem ninguém mais incansável, mais criativa, mais autêntica, mais incrível, mais uma força imensa da natureza, do que Agnès Varda.
Qualquer filme dela vai ser uma experiência única, mas seleciono aqui 4 filmes que estão na mostra do Olhar de Cinema como indicações andantes para você assistir. Falamos recentemente de Cléo das 5 às 7, então não incluo ele nessa lista, mas é uma super recomendação, com toda certeza. Esses são todos filmes que eu já assisti, mas tem vários outros na mostra que eu ainda não vi e espero conseguir assistir no mês que vem <3
Vamos lá :)
1. Saudações, cubanos! (Salut les Cubains, 1963)
Como eu disse antes, Varda tem um jeito muito peculiar de ver as coisas e ela sabe traduzir esse seu olhar em imagens com muita maestria. É isso que faz com que seus documentários sejam tão diferentes de qualquer outro feito sobre o mesmo tema. É o caso de Saudações cubanos, um curta-documentário feito apenas como fotografias em preto e branco tiradas por ela durante uma viagem à Cuba em 1963, em um momento em que a revolução cubana havia acabado de acontecer. O filme é quase como um ensaio e Varda está interessada na vida daquelas pessoas e daquelas ruas que encontra quando chega lá. Em um momento muito particular da história do país, Varda vai nos mostrando e trazendo, com as imagens estáticas, a energia do impacto que o lugar teve nela.
2. Uma canta, a outra não (L’une chante, l’autre pas, 1977)
Em Uma canta, a outra não, Varda conta a história de duas mulheres francesas que se uniram, quando ainda eram bem jovens, por conta de uma situação bastante delicada em que Pomme (Valérie Mairesse), mais jovem, ajuda Suzanne (Thérèse Liotard), uma mãe solteira em dificuldade. O filme acompanha 10 anos da vida dessas duas mulheres, que acabaram seguindo caminhos muito diferentes e que se reencontram anos mais tarde, mantendo uma amizade e uma comunicação por cartas. Elas navegam a década de 1960, quando a segunda onda do movimento feminista estava acontecendo na França. A partir das histórias dessas duas mulheres e das reflexões que fazem entre si, Varda aborda diversas temáticas que envolviam a realidade das mulheres naquele momento e que, infelizmente, ainda são muito atuais. Mas ela também faz isso de um jeito muito peculiar: ao mesmo tempo que escancara diversos problemas do machismo nas relações, do conservadorismo e da falta de políticas públicas, ela coloca suas protagonistas como agentes do próprio destino, onde elas traçaram os próprios caminhos e seguiram a vida que queriam seguir, sem nenhum tipo de julgamento quanto às diferenças entre elas e de suas escolhas. A única que existe mesmo é essa: uma canta e a outra não.
3. Os catadores e eu (Les Glaneurs et la Glaneuse, 2000)
Os catadores e eu é um grande exemplo de Varda pegando sua câmera e saindo por aí para investigar algo que é quase como uma obsessão sua naquele momento. Neste caso, ela se volta para os catadores: pessoas que coletam coisas pelo campo e pelas cidades. Varda fala do ato de catar de uma maneira geral, trazendo diversas entrevistas com pessoas super interessantes e entrando nos pormenores dessa atividade tão parte da nossa história como humanidade. Ao mesmo tempo, escancara a enormidade do desperdício que existe na nossa sociedade e de todas as pessoas que precisam coletar por necessidade. É também um documentário no qual Varda aparece mais de perto, com a sua narração sempre ótima olhando também para si e refletindo sobre aquilo que encontra também em conjunto com a própria vida. O filme ganhou vários prêmios, e é considerado entre as listas de grandes filmes do século 21 e de melhores documentários já feitos.
4. As praias de Agnès (Les Plages d’Agnès, 2008)
Eu acho que Varda tem uma presença muito forte e constante em todos os seus filmes, algo que se dá de várias maneiras. Mas para mim, aqueles em que ela surge diretamente e fala sobre si mesma são os que mais me tocam. É o caso em que não vemos apenas o mundo com os seus olhos, mas o seu mundo com os seus olhos - e As praias de Agnès são exatamente isso. Esse é um filme lindíssimo, em que Agnès retoma toda a sua vida e nos conta a sua história em uma experiência visual que não brinca com as imagens e também com as cidades e os lugares onde ela passa. Ela cria cenários no meio das ruas, revisita casas e espaços onde acontecimentos importantes de sua vida se deram, conversa com pessoas que foram importantes na sua vida, relembra momentos dolorosos, caminha pelas margens do Sena e até anda de barco! Sua vida foi incrível, mas a sua forma de narrá-la para nós é um presente em forma de filme. Um dos meus favoritos de todos os tempos, sem sombra de dúvida.
(Já tivemos uma edição sobre ele anos atrás, aqui!)
Por hoje é só! Ainda vão ter outras edições focadas no Olhar de Cinema, então nosso papo sobre o festival continua, com várias indicações para você ver aqui e para guardar na lista para quando os filmes estiverem disponíveis em outras cidades e na internet.
Até a próxima edição :)
Alguns links antes de ir
- Os ingressos para o Olhar de Cinema começam a ser vendidos nesta sexta e os valores são 16 reais a inteira e 8 reais a meia (neste ano teremos também o novo Cine Guarani, com ingressos a 12 e 6 reais, respectivamente) e, para algumas exibições, são distribuídos gratuitamente 1 hora antes do filme. Você pode ver mais informações aqui.
- Nesta semana esbarrei nesse vídeo curtinho, que é parte de um mini documentário de 4 minutos em que Varda anda com o diretor italiano Pier Paolo Pasolini pelas ruas de Nova York. Lindíssimo <3
- E se você está em Curitiba, neste sábado dia 17/05 vai acontecer a abertura de uma exposição com pinturas minhas na Toca Atelier, no centro da cidade, com curadoria de Breno Leite e Mariana Campos. Tem vários trabalhos diferentes feitos nos últimos anos, além de uma lojinha com prints e zines disponíveis para venda. O evento acontece a partir das 19h30, é aberto ao público e estarei lá para falar um pouco dos trabalhos e bater papo! As informações estão aqui neste post. Vem <3
Agnes é maravilhosa❤️
ô xará eu vim aqui ler o texto com calma antes de fazer minha seleção pro festival e agora fiquei com vontade de ver todos esses....................................