Olá!
Como eu falei na última edição andante, a vida anda passando por algumas mudanças (boas!) bem significativas do lado de cá e, enquanto as coisas se ajeitam e encontram seus lugares, vamos seguindo aos poucos por aqui. É hora de diminuir um pouco o passo e, por isso, em algumas semanas vamos percorrer novamente caminhos já traçados anteriormente.
Traçado, mas não sei se dá para dizer que o caminho de hoje é um velho conhecido. Roda do Destino foi a nossa 6ª edição, um passeio feito com pouquíssimas pessoas (e se você é uma delas, que incrível seguirmos juntos por tanto tempo <3). Além de ser um passeio relativamente novo para a maioria, é também um filme andante ótimo e tem tudo a ver com esses fluxos inconstantes pelos quais passamos na vida. Retornamos para nossos pontos de partida, começamos outras trajetórias, chegamos em nossos pontos mais baixos e percebemos que agora a única direção possível é para cima. Nada permanece o mesmo e faz parte da vida seguir nessa dança. 2025 tem sido assim para mim e acho que essa edição dialoga bem com tudo que tem acontecido por aqui. Talvez seja o seu caso também.
A edição foi revisada, editada e adaptada. Lá embaixo, você também pode conferir links novos e onde assistir o filme agora em 2025.
Como sempre, um imenso obrigada por fazerem as nossas andanças <3
Nosso passeio de hoje foi a primeira vez que falamos de algo tão próximo do nosso tempo e tão distante de onde a maioria de nós está: fomos à Tóquio pouco antes da pandemia em Roda do Destino (Wheel of Fortune and Fantasy, 2021, dirigido por Ryusuke Hamaguchi - o mesmo diretor de Drive my car, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2022). O filme é composto por 3 histórias (chamadas de episódios) com personagens diferentes que não se relacionam entre si. No entanto, há uma temática comum: os caminhos (ou rumos) por onde seguimos nossas vidas.
“- Então, talvez eu esteja com raiva do nosso destino.
- Destino?
- Nosso destino não é culpa de ninguém.”
A definição de destino é consideravelmente ampla. Pode ser entendido como um lugar para onde nos dirigimos - uma direção. Pode ser um conjunto de fatos que estão fora do nosso controle ou aos quais estamos sujeitos independente da nossa vontade. Pode ser o futuro, um desfecho ou, ainda, algo para o qual estamos destinados. Também pode ser associado à fortuna, sorte. Tudo isso está imerso na mesma palavra e, se pensarmos em nossas vidas, vários desses significados convergem e estão acontecendo juntos o tempo todo. Fazemos uma escolha e seguimos uma direção, até que algo inesperado acontece e temos um novo desfecho que não esperávamos. Uma onda de sorte nos leva diretamente para aquilo que se encaixa para nós e aí novamente fazemos outro conjunto de escolhas. É a roda fazendo o seu trabalho de tecer as linhas por onde nossas vidas vão acontecendo.
A tradução do título do filme para o português ainda acrescentou um significado extra nessa história. Roda da fortuna e fantasia (na tradução literal) dá uma boa noção da ideia central do filme, mas Roda do destino vai direto ao ponto.
No tarô, a carta da roda do destino (ou da fortuna, dependendo da tradução) tem relação com o ciclo da vida. Não só o processo de nascer, crescer e morrer, mas também os ciclos que se repetem ao longo da nossa vivência no mundo. A roda da fortuna vem nos dizer que tudo é cíclico: passamos por fases e o que está acima da roda, eventualmente estará abaixo e vice-versa. Este artigo sobre os significados da carta resume bem algumas das ideias centrais que também vemos no filme:
“A Roda da Fortuna nos convida, portanto, a ficarmos abertos às oportunidades que o destino nos oferece, a tirar vantagem da boa sorte e a lidar com marés de azar, de negações ou com os períodos nos quais as coisas não vão bem. Por mais acertadas que sejam nossas atitudes, nem sempre o momento é propício para que possamos atingir aquilo que desejamos. Nem sempre é nossa culpa, nem sempre é nossa responsabilidade. A consciência de fazer o melhor que podemos e de dar o nosso melhor deve imperar em qualquer experiência, tenha ela um desfecho glorioso ou não. Assim, o conceito de que ‘somos responsáveis pelo nosso próprio destino’ ganha um novo sentido e uma outra dimensão.”
Nestas três histórias, acompanhamos três protagonistas em conversas cheias de reflexão e profundidade junto de outros personagens. Meiko (Kotone Furukawa) é uma modelo que ouve a amiga falar sobre um encontro que teve, enquanto as duas voltavam para casa depois de um dia de trabalho. Nao (Katsuki Mori) é uma estudante universitária um pouco mais velha do que seus colegas que é desafiada pelo cara com quem está saindo a seduzir um professor que ele não gosta. Moka (Fusako Urabe) é uma mulher que vai de Tóquio até a sua cidade natal para um reencontro da turma do ensino médio.
O título dos episódios - Magia (ou algo parecido), Porta escancarada, Mais uma vez - nos remete ao próprio movimento da roda. No topo, o destino é visto como magia, algo destinado a ser, a coincidência que é forte demais para não ser vista como uma força maior do universo. Na segunda história, porém, o destino aparece como fora do controle, como algo que está além de nós e que nem sempre dá o resultado que gostaríamos: a roda gira, vem para baixo e, assim como a porta, se escancara na nossa frente sem aviso prévio. Mas o que está abaixo eventualmente sobe e o destino surge como sorte que gera um novo desfecho e uma oportunidade de olhar de novo para o que ficou para trás, ainda que de maneiras não esperadas.
“Não é um problema sério. Mas, às vezes, penso por que estou aqui. Eu poderia ter sido qualquer coisa, mas o tempo voou e eu não percebi.”
Esse mesmo movimento é visto também em cada episódio, cheios de altos e baixos. Pensamos que estamos vendo um certo destino, mas de repente as coisas mudam. Nada é permanente. As personagens fazem o melhor que podem, ponderam suas decisões passadas, sofrem, tentam de novo, imaginam o que poderia ser e fazem suas escolhas. E isso não acontece apenas para as três mulheres principais: os movimentos estão ali para todos os personagens em cada encontro improvável. Quando a roda gira, elas tentam e o rumo das coisas nem sempre era o que esperavam - não há nenhum culpado nesse caso. Mas, às vezes, o que encontram é melhor. E o que é melhor nem sempre é um desfecho glorioso de filme hollywoodiano: às vezes é somente uma nova percepção, a sensação que temos de que nos transformamos depois daquilo - ou então, de que ainda somos nós mesmos apesar de tudo.
Nesses giros, nossas personagens estão sempre na cidade. Entre idas e vindas, é ali onde o improvável está em cada esquina - um universo de possibilidades por metro quadrado. Quais as chances de encontrarmos por acaso alguém do nosso passado na rua em uma cidade enorme? A roda da fortuna vem nos mostrar que essa chance pode ser igualmente nula e certeira.
É nas ruas também que nossas personagens vão sozinhas para pensar, para manifestar suas emoções, para ter esperança ou para mergulhar em culpa. A cidade possibilita a caminhada solitária onde não é preciso prestar contas a ninguém nem justificar nossos sentimentos. A cidade tudo recebe. Será que é no mar de desconhecidos da calçada que somos a versão mais crua de nós mesmos? Sempre podemos encontrar alguém conhecido nesses giros da roda, é claro. Mas talvez, quanto mais improvável isso parece ser, mais confortáveis ficamos para manifestar o que estamos sentindo sem precisar performar um papel para os outros (e isso pode ser bom ou ruim, dependendo do que você guarda). Talvez seja por isso que podemos sentir uma onda de novidade em nós quando visitamos um lugar desconhecido. Não são só aquelas ruas e pessoas que não conhecemos: é aquela parte de nós que nunca havíamos visto. A cidade é também um lugar para se encontrar.
Para a roda do destino, a única fatalidade é a morte: enquanto estivermos vivos, ela vai girar. O que está ruim não ficará ruim para sempre, e, do mesmo modo, o que é bom não permanecerá imutável para sempre. O dia seguinte sempre vai nascer. Volta e meia coisas que estão fora do nosso controle acontecem e tudo muda para novos destinos. E que bom. São os novos caminhos por onde andaremos, os novos rumos que jamais pensaríamos em seguir. Nem sempre as coisas estão em nossas mãos: não temos tanto controle quanto pensamos. Tudo que podemos fazer é o nosso melhor, ou o que é possível - e deixar que a roda gire e nos leve para onde tivermos que ir.
Até o próximo passeio :)
Onde assistir
Roda do Destino está disponível no streaming do Belas Artes à La Carte.
Links extras
- Na época da publicação original dessa edição, o filme estava disponível para assistir na plataforma digital do Cine Sesc de São Paulo. Neste momento tem um monte de filmes incríveis para assistir lá, com destaque para a nova mostra especial da Chantal Akerman <3. É gratuito e não precisa fazer cadastro, só clicar e assistir!
- Falando em rodas, esta semana estreia a terceira temporada de A roda do tempo na Prime. Série protagonizada pela maravilhosa Rosamund Pike, ela demorou um pouquinho pra me convencer no começo, mas essa fantasia com toda uma estrutura complexa de mulheres no poder me ganhou. Já ansiosa pelos novos episódios.
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Dei meu like pela indicação do streaming do Belas Artes à La Carte. Eu não conhecia, gratiluz!