#67 Um cafezinho: a gente adora conversar sobre o que assistiu
O cinema enquanto experiência coletiva dentro e fora das sessões
Esse é o nosso último cafezinho do mês e vou aproveitar essa nossa conversa para agradecer aquelas que contribuíram financeiramente com a newsletter em janeiro e fevereiro! O apoio de vocês permite que mais coisas sejam feitas na newsletter e são um incentivo enorme para continuar escrevendo. Muito obrigada <3
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Meu grande experimento de ir ao cinema com mais frequência continua e, nesse último mês, assisti vários filmes em salas de cinema lotadas. Lotadíssimas mesmo. A gente sabe que alguns filmes serão mais requisitados, mas às vezes não espera uma movimentação tão grande em quase todos filmes, em todos os horários, em todos os dias da semana. Cansei de ver desavisados chegando alguns minutos antes da sessão para comprar ingressos e tendo que mudar os planos na última hora. Em muitos casos, a sessão já está lotada dias antes de sua exibição e permanece assim toda vez que a programação da semana é anunciada. É um cinema pequeno, é verdade, com poucos assentos comparados aos cinemas grandes de shopping. Mas acho que nem o cinema esperava tamanha movimentação: nas postagens da programação no instagram agora tem um aviso para as pessoas ficarem atentas às sessões que já estão esgotadas.
Como disse o diretor Ken Loach em uma entrevista recente no BAFTA (premiação do cinema britânico), o cinema é uma experiência coletiva. Ver tantos filmes tão diferentes em salas lotadas em um único mês mexe alguma coisa na gente, muda a percepção do que é assistir algo e de como compartilhamos isso com aqueles ao nosso redor. Faz lembrar de coisas que talvez a gente tivesse esquecido.
Mas já falamos um pouco disso no nosso último cafezinho. O que eu tenho pensado é sobre como essa experiência coletiva vai muito além das horas e emoções que compartilhamos em silêncio no escuro dentro da sessão.
Considerando só esse último mês: já parou para pensar em quantas conversas você teve sobre aquilo que assistiu?
“Oi, licença. Desculpa, é que eu ouvi vocês falando de [nome do filme]. Vocês acharam isso do final também?”.
As conversas sempre existiram, é claro, e em um espaço cheio em que todos sentam tão próximos uns dos outros é inevitável ouvir algumas delas. Mas o que eu tenho percebido é uma frequência maior das conversas indo além do filme daquela sessão e até mesmo do grupo de pessoas envolvidas, o que tem agitado as salas quando as luzes ainda estão acesas. Mais de uma vez vi as pessoas adentrando nas conversas umas das outras quando percebem qual é o assunto. A vontade de falar é tão forte que ultrapassa as barreiras de puxar conversa com desconhecidos. Não é o tipo de coisa que a gente vê acontecer sempre, especialmente em Curitiba (alguns estereótipos são bem reais por aqui).
Mas essa também é uma interação que vai além do cinema enquanto espaço físico. A gente sai de um filme (seja da sala de exibição ou da TV de casa) e corre para ler ou ouvir alguém que gostamos comentar sobre aquilo que vimos. A gente quer ver o que a pessoa compreendeu e ver se entendemos aquilo também. Ou então vamos comentando e escrevendo sobre como fomos tocados pelas histórias. A conversa está na internet, mas também no bar, na chegada no trabalho, no caminho de volta para casa. A gente está dentro delas e também ouvindo várias por aí. São múltiplas formas de conversar, de trocar as nossas experiências com os outros.
E tanta conversa só dá ainda mais vontade de ir no cinema e sentir ao vivo essa experiência coletiva com tantas outras pessoas. De ver ali pessoas tão animadas quanto nós, ouvir a respiração da sala toda parar em algum momento de tensão, ver todo mundo ao redor secando o rosto emocionado. E, por que não, conversar ali mesmo, na hora, com pessoas que a gente nunca viu antes, sobre o que acabou de acontecer com todos nós.
E eu sei que, nesses tempos de redes sociais, há vários elementos de status envolvidos em fazer algumas coisas, em ser a pessoa que se interessa por cinema, em demarcar que também assistimos o que todo mundo está vendo - já falamos sobre tudo isso na edição de tudo aquilo que não assistimos em 2023. Mas o cinema tem essa característica maravilhosa que talvez outras atividades não tenham da mesma forma. Você vai incomodar se ficar ali na sala cheia com um ponto de luz ligado na sua cara. Tem que deixar o celular pra lá - e quando a gente se desconecta, algum tipo de interação obrigatoriamente acontece com aquilo que está à nossa frente.
Pode ser que você tenha odiado. Pode ser que não tenha entendido. Pode ser que ficou completamente entediado naquelas 2h30. Mas alguma coisa aconteceu dentro de você.
Tudo isso mantém o cinema vivo e pulsante e incrível como tem sido - o cinema enquanto filmes e o cinema enquanto espaço de experiência compartilhada na cidade. Mas tudo isso também mantém a gente vivo, pensando, refletindo sobre o que vimos e como aquilo dialoga com a gente, sentindo e significando as nossas próprias emoções e experiências de vida. A gente debate, dialoga, conversa e entende um pouco mais do mundo e de nós mesmos. Essa é a função da arte. Mesmo que essa movimentação atual seja uma moda, que esteja associada a alguns filmes grandes, mesmo que isso diminua de ritmo depois que o Oscar acontecer, a experiência que já tivemos vai continuar com a gente.
E por isso é importante que a gente tenha outros tipos de conversa sobre cinema também.
O cinema enquanto lugar já passou por muitas modificações nesse século de existência. Talvez, ao longo da sua vida, você já tenha visto muitos cinemas antigos entrarem em decadência e falirem. Talvez você tenha visto seus cinemas de shopping queridos mudarem tanto, que aquele lugar confortável, em que você pagava alguns reais de entrada, se transformou em um ambiente genérico e sem vida, com ingressos acima de 50 reais e áreas VIP delimitadas e separadas de quem paga menos. Tive muitas conversas sobre essas questões depois dos últimos textos. Ver a movimentação grande nos cinemas por aí mostra o quão fácil ou difícil é o nosso acesso a eles no dia-a-dia no lugar onde moramos, e precisamos ficar atentos a isso. A gente precisa conversar sobre o absurdo que tem sido os preços exorbitantes e a falta de opções, pressionar, reclamar, se envolver no que for possível com as discussões de acesso ao lazer, educação e cultura que temos em uma cidade e também da qualidade desse acesso. Muita coisa piorou nesse sentido nas últimas décadas, mas elas sempre podem mudar de novo. E eu espero profundamente que sim.
Eu sempre digo que os nossos cafezinhos são edições mais curtas, mas eu me empolgo e elas acabam ficando tão longas quanto as outras. Mas é que são tantas conversas possíveis e cada uma delas abre tantas possibilidades, que fica difícil ser de outra forma. Vou anotando todas as ideias no meu planejamento da newsletter e a lista de textos futuros já é grande. É que conversar é bom demais e em conjunto assim, melhor ainda.
Tem sido incrível também todas as conversas por mensagens, e-mails e comentários que essas edições de 2024 levantaram. Foram tantas que eu ainda não dei conta de responder tudo que veio em janeiro e fevereiro. Esse ano já está uma loucura e, sempre que abre um tempinho, eu sento e respondo com calma e atenção todas as mensagens, só que esse acaba sendo um processo mais lento. Se eu ainda não respondi algo, pode ter certeza de que a mensagem está aqui guardada e que a resposta virá em breve <3
Comecei a escrever esse texto em uma manhã de domingo chuvosa e fria em Curitiba. No meu cinema de sempre, várias sessões do dia já estavam esgotadas, mesmo aquelas em horários não tão favoráveis para um domingo, como 13h da tarde. Eu tenho certeza que ele estará cheio o dia inteiro, mesmo com a chuva. Eu sai de várias sessões nesses dias pensando como é bom ter filmes nas nossas vidas. E como é lindo ver os cinemas assim tão vivos e cheios e ver a gente tão animado conversando sobre tudo.
Boas sessões e conversas para todos nós, e até o próximo passeio :)
Algumas dicas antes de ir
- Todas as imagens que ilustram essa edição são cenas de conversas em filmes andantes sobre os quais já falamos por aqui. Você pode checar as edições clicando no nome dos filmes na legenda das imagens.
- “Porque o riso é contagioso, a tristeza é contagiosa, a raiva é contagiosa. E experienciar algo como um coletivo, essa é a nossa verdadeira força”. O diretor britânico Ken Loach falando sobre como é importante que cinema viva e da força que ele tem enquanto experiência coletiva (em inglês).
- “De vez em quando, mais legal ainda do que ser o ‘protagonista do próprio filme’, é ser figurante no filme dos outros”. As mágicas da cidade nesse vídeo da @soylarinha <3
- “Isso não é a realidade. É um romance. Então, respire. Aproveite. É para vocês.” Alan Rickman apresentando seu filme Um pouco de caos (A little chaos), em uma exibição de estreia em 2015 <3
- booktok & the hotgirlification of reading - uma discussão super interessante da Mina Le sobre os livros e a leitura estarem na moda na internet e entre as celebridades (em inglês).
- Amanhã começa a semana do cinema e vários cinemas estarão com sessões por apenas 12 reais no país inteiro. Tem muuuuita coisa boa em cartaz para assistir e é hora de aproveitar para vê-las por um preço acessível.
- Se você está no litoral do Paraná e arredores, no começo de março acontecerá a primeira edição do Cinenaguá, um festival só com filmes clássicos que acontecerá na cidade de Paranaguá. A programação está recheaaada de filmes bons e as sessões acontecerão em três locais: no Teatro Rachel Costa, em exibição ao ar livre na Estação Ferroviária de Paranaguá e também ao ar livre na Ilha do Mel. Ah, e os ingressos são gratuitos! De 01 a 10 de março.
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Acredito demais em cinema como experiência coletiva ♥️ não tem programa melhor que um bom filme com ótima conversa depois
tem coisa melhor do que cinema cheio e aqueles momentos em que todo mundo ri junto ou prende a respiração?